O mais recente livro de António Passos Coelho, Memórias de Céu e Inferno é um verdadeiro retrato social do Portugal dos anos 40 do século XX. Repleto de descrições fortes e recorrendo a um estilo literário único, o autor descreve de forma ímpar os afectos e os dramas de uma época extraordináriamente difícil.
"O inferno é uma invenção pré-histórica de certo
fanatismo religioso, destinado ao suplício de almas malvadas. O paraíso fora
concebido para premiar eternamente as almas boas; localiza-se no céu, em sítio
incerto. Não obstante os avanços tecnológicos no domínio da astronáutica, ainda
se não vislumbrou o preciso lugar desse almejado destino das almas sãs, cujos
corpos se finaram. Do inferno nunca nenhum sábio ousou definir a topografia, e
não existe notícia de que alguém se tenha interessado em descobrir-lhe o
paradeiro. Por mim, creio que o inferno é nesta vida e não está equipado com
caldeirões efervescentes, terríficos braseiros, sofisticados aparelhos
flageladores. Cada pessoa pode ter o seu inferno. O meu foi a fome, o frio, a
miséria que vivi até aos oito anos num casebre imundo de Peneda…. Completamente alheio à tragédia que assolava a
Europa, com a avalanche militar nazi subjugando a Bélgica, a Holanda, o
Luxemburgo e parte da França, posto que detida pelos soviéticos em Stalinegrado,
e repercutindo-se gravemente no nosso país em dificuldades económicas que nos
impunham graves restrições alimentares, eu era feliz em Chaves. Vivia feliz
na simpática, bonita, acolhedora, farta cidade fronteiriça flaviense. Vivia no
céu!!
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